De Mulher Maravilha a Viúva Negra: o que o figurino diz sobre feminismo?
- podcastdepoisdoscr
- 31 de mai. de 2022
- 9 min de leitura
Por: Amanda Nobre e Alanda Arruda
As heroínas são minoria no universo dos heróis de filmes e quadrinhos, as que existem fazem com que muitas meninas se inspirem nas suas características como coragem, inteligência e força. Elas são eternizadas em cadernos, bonecas, fantasias, garrafas, entre outros objetos. Já se perguntou que heroínas te representam? No mundo dos heróis há preconceito de gênero? O que mudou no figurino das heroínas ao longo do tempo? Por que heroínas em sua maioria vão para situações de luta ou batalha com roupas bem menores do que as os heróis? Essas e outras questões abordaremos no texto a seguir.

Nesta abordagem vamos ressaltar a hipótese de que cores primárias estão presentes no uniforme das protagonistas, enquanto as secundárias na roupa dos vilões ou anti-heróis. O conteúdo aqui abordado também está disponível ao final da matéria em formato de podcast, numa análise mais aprofundada sobre outros heróis.
Mulher Maravilha

É uma das mais antigas e famosas personagens femininas do mundo dos quadrinhos e filmes, sua primeira aparição foi em 1941. Dentre outras variações, a história é de que na mitologia grega Diana foi criada por Hipólita, rainha das amazonas e recebeu de Zeus os poderes. A mulher maravilha vive com as amazonas na ilha de Themyscira, mas deixa o seu lar para ir ao mundo dos homens ajudar na guerra, e acaba se apaixonando pelo soldado Trevor.
Seu traje "tornou-se símbolo do surgimento de um novo estereótipo de mulher, principalmente em um universo que até então era dominado apenas por heróis masculinos" OLIVEIRA, 2018.
No seu figurino podemos destacar os braceletes que chamam a atenção, simbolizando uma arma contra homens antifeministas, remetendo aos tempos em que foi escrava e esteve acorrentada. A cor vermelha também está relacionada aos movimentos sufragistas, que apesar de terem iniciado em 1800, ganharam força na Segunda Guerra Mundial, em que diversas mulheres estavam trabalhando e buscavam alguém em quem se espelhar, a heroína foi esse ícone de identidade.
A personagem interpretada por Lynda Carter na década de 1970 lembrava bastante as cores e símbolos da bandeira dos Estados Unidos, dando a entender que a mulher maravilha era estadunidense e ignorando a origem grega. Além disso, a personagem utilizava salto e também brincos, como seria entrar de fato numa batalha dessa maneira? A questão é que a identidade criada pelo figurino "clássico" da mulher maravilha pode ser reconhecida em qualquer lugar. O short cavado, de cós alto marcando a cintura referencia claramente o estilo pin up dos anos 1970.

Em contrapartida, a versão mais "atualizada" é o figurino de 2017, com a atriz Gal Gadot que ressalta bastante o teor da armadura em si, relembrando as origens das guerreiras amazonas, embora mantendo as cores vermelho e azul, em tons mais escuros. Um ponto interessante de se questionar é que personagens como Batman e Superman utilizam uniformes que cobrem e protegem todo o seu corpo, enquanto que para uma heroína, igualmente poderosa, utiliza um traje que quase não a protege. Porém, a super exposição de corpos femininos dentro e fora do universo DC e Marvel não é exclusividade dos heróis, infelizmente.

Conforme FREITAS et. al (2010), "(...)Tal afirmação é feliz ao mencionar a influência da mídia como contribuinte importante na definição do referido padrão e sugerir a magreza peculiar das modelos de atrizes como tal". Dessa maneira, mostrar determinados corpos em filmes, séries ou no cinema e não mostrar outros é uma maneira de criar e perpetuar 'padrões de beleza'. Perpetuando estereótipos de que só o corpo magro e malhado é bonito, excluindo todo o restante da diversidade como mulheres gordas, baixas, altas demais, idosas, negras, asiáticas dentre outras. Aliás, a indústria do cinema até inclui de certa maneira essas diversidades, mas em papéis cômicos, levando os personagens a serem motivo de piada e novamente reforçando o preconceito com as diferenças.
Capitã Marvel

Carol Danvers mais conhecida como Capitã Marvel é uma super - heroína do Universo Marvel, detentora de poderes absurdos. Teve sua primeira aparição em quadrinhos no ano de 1968, seguindo a história de outro personagem o Walter Lawson ou Capitão Marvel. Sua trajetória passou por diversas etapas, ela ganhou e perdeu poderes e até mesmo a memória em dado momento. Acompanhando a história os trajes também mudaram ao longo do tempo, foram pelo menos dez, nos primeiros quadrinhos, desde uniformes mais ousados, até mesmo sensuais, com a intenção de sexualizar a personagem. Vale ressaltar que as HQ´s tinham durante muito tempo como público predominante os homens, as revistas eram produzidas para o divertimento deles. O papel das heroínas era secundário, quando apareciam tinham a finalidade de ser apenas um par romântico, este foi o caso de Carol Danvers.

Agora com o sucesso dos filmes, a Marvel está se preocupando mais com as questões de gênero, uma vez que o próprio público cobra uma mudança de representatividade entre os personagens. Com isso, a mudança começa pelo figurino, no lugar dos trajes, elas estão usando armaduras e ganhando mais espaço de protagonistas nas produções e filmes. Dessa maneira, protagonizando suas histórias tornam-se personagens fundamentais na construção dessa nova fase do Universo Marvel.

Viúva Negra

A personagem dos quadrinhos do Universo Marvel, Natasha Romanoff, mais conhecida como Viúva Negra, apareceu pela primeira vez em 1964. Conhecida por ter sido agente da S.H.I.L.D, Natasha é uma espiã importantíssima, apesar de não ter superpoderes, é uma das pessoas “comuns” mais fortes do planeta. Sua primeira aparição no cinema foi no filme “Homem de Ferro 2”, porém para além das características da personagem estamos aqui para fazer uma análise sobre a imagem das poucas heroínas a aparecerem no começo da construção cinematográfica MCU (universo cinematográfico da Marvel). Por ser uma espiã seus trajes são discretos, mas seguem o padrão de uniformes super apertados, que já foi tema de entrevistas nas quais a atriz ficou em situações constrangedoras. Houve uma na vez que um entrevistador perguntou se ela usava calcinha por debaixo do traje, a atriz chegou a questionar se ele fazia a mesma pergunta aos homens. Além disso, quase todos os seus uniformes são pretos, demonstrando a descrição que uma espiã tem de ter, exceto o usado no seu filme solo que foi branco. Mesmo que não tenha super poderes é considerada uma heroína e assim usa uma cor primária.

Por muito tempo a história de Natasha foi um mistério para os fãs, e por isso não tinha algo em que realmente a representasse como é no caso dos outros heróis. A partir do lançamento do seu filme veio junto um símbolo: a ampulheta vermelha, com uma carga muito significativa. Nos Estados Unidos, ela serve para identificar as viúvas negras - espécie de aranhas perigosas devido ao seu forte veneno que é 15 vezes mais potente que de uma cascavel e conhecidas por matarem o macho depois de copularem, nada mais justo do que trazer esse símbolo para representar Romanoff que carrega consigo o nome dessa poderosa arachnida. Isso porque Natasha tem características que nos remetem a aranha, sedutora, mas perigosa, em seu arsenal está a arma “mordida da viúva” que libera um poderoso choque elétrico, age com calma e de forma silenciosa e ataca antes que o inimigo perceba.

Wanda Maximoff : A Feiticeira Escarlate

Wanda Maximoff é uma heroína que teve sua primeira aparição em 1964, nos quadrinhos. A vingadora tem diversas histórias de origem, mas a clássica é que ela e seu irmão gêmeo, Pietro, são filhos do mutante Magneto que cuida deles ao perceber o potencial de seus poderes. Nos filmes, Wanda e Pietro são pessoas normais que perdem os pais em um acidente com uma das bombas das indústrias Stark e ganham seus poderes através das joias do infinito.
Há quem diga que é a mais poderosa dos vingadores, a feiticeira Escarlate é capaz de ser clarividente, criar campos de força, se conectar com forças místicas, controlar o clima e o tempo, além de curar, criar ilusões, ficar invisível, voar, se teletransportar, manipular a realidade, entre outros.

Nos filmes da Marvel, Wanda é interpretada pela atriz Elizabeth Olsen desde 2015. Do primeiro filme até agora as mudanças foram perceptíveis, em Vingadores: Era de Ultron (2015) a feiticeira escarlate utilizava uma jaqueta e um vestido, já em Wanda Vision (2021) ela ganha um uniforme mais fechado, sem decote. As cores vermelho e preto permanecem no seu figurino, ressaltando mais os seus poderes enquanto heroína do que apenas enquanto aparência física.

Shuri

Inteligente, artista marcial treinada, veloz, ágil, forte e resistente, esses são apenas alguns dos diversos poderes de Shuri, uma das personagens da nova fase de heróis da Marvel.
Sua primeira aparição foi nos quadrinhos no ano de 2005, em HQ destinada a contar a história do “Pantera Negra”, seu irmão.
Vale contextualizar geograficamente o universo de Shuri, ela vive em Wakanda, país afro-futurista mostrando uma África nunca explorada, que conseguiu se desenvolver sem a destruição causada pelo imperialismo.
Shuri é a cientista mais inteligente desse país, sendo capaz de construir qualquer coisa usando vibranium (metal metal fictício mais resistente do mundo), ela quem projetou o uniforme de T'Challa e vários aparelhos de comunicação. É uma guerreira líder e ambiciosa, treinada com as mesmas técnicas de lutas dos guerreiros de Wakanda.
Seu figurino é altamente tecnológico e com características indenitárias. Os adereços, penteado e maquiagem remetem à cultura dos povos nativos, ressaltando a identidade do seu país. As cores do traje de Shuri são predominantemente o preto (primário), mas podemos ver algumas variações como vermelho e azul. Os outros moradores também usam roupas inspiradas na cultura de povos africanos, a representatividade é algo muito presente nos filmes. Essa visibilidade se reflete no protagonismo merecido, que mostra pra sociedade que uma mulher negra pode ser rainha, guerreira, e super-heroína de forma plena, conquistando seu espaço.

Por ser uma personagem mais recente, não há como fazer uma comparação histórica com figurinos anteriores, porém, é uma personagem em que há grandes expectativas a respeito do seu futuro como sucessora do Pantera Negra. Apesar de surgir junto com o seu irmão T'Challa, ela conquista seu espaço e se torna parte importantíssima da história do reino, em dado momento tomando pra si o manto do “Pantera Negra” , se tornando rainha e liderando seu povo em batalhas.
Shuri, diferentemente das outras personagens é uma heroína negra, vale ressaltar que dentre os heróis, que são na maioria homens, há algumas poucas heroínas mulheres e pouquíssimas negras.

O público que acompanha o universo dos heróis é majoritariamente de jovens. Numa pesquisa realizada por Daniela Schmitz (2014), com 79 jovens do sexo feminino entre 15 e 25 anos revela que:
Na instauração do desejo, a mídia já é a mais citada pelas jovens, pois, ao serem questionadas sobre o motivo que as levou a pensar em ser modelo, as respostas apontam quatro razões principais: o consumo midiático (33%), o contato com a profissão/profissionais da área (22%), as relações sociais (22%) e a família (16%) (SCHMITZ, 2014 p. 27).
Essa influência que a mídia possui sobre as pessoas, especialmente as adolescentes formula ideais sobre que corpos são aceitos e que espaços eles frequentam. Novamente ressaltamos que com a diversidade de heróis e heroínas nos cinemas e na mídia, há maior representatividade e identificação do público, afinal, como já foi citado aqui, não deve existir um "padrão" e sim diversas formas de ser e estar no mundo. Pessoas são diferentes e os heróis em que nos espelhamos tem que representar essa pluralidade.
Mônica Rambeau

Também é uma heroína da nova fase da marvel, com passagem apenas por duas produções: Capitã Marvel (2017) e Wanda Vision (2021). Mônica Rambeau é uma cientista filha de Maria Rambeau, criadora da agência SWORD. Alguns de seus poderes são visão espectral, rajadas de energia, ilusionismo, capacidade de voar, entre outros.
Assim como Shuri, Mônica é uma personagem recente, e seu uniforme é mais minimalista e tecnológico do que das heroínas anteriores. Por ser uma cientista muito inteligente e também uma aposta no quesito representatividade é uma personagem em potencial para as próximas produções da Marvel. Tanto Shuri quanto a Dra. Rambeau são heroínas muito inteligentes que resolvem os problemas e desafios usando suas habilidades, dessa maneira, inspirando meninas e a seguirem carreira de cientistas também.

As produções cinematográficas influenciam no gosto e estilo daqueles que se dizem fãs do seguimento, as roupas, os artefatos e até a personalidade dos personagens podem virar algo comercial. Falamos aqui nesse texto sobre várias heroínas que durante muito tempo não estiveram tão presentes nestes ambientes ou estiveram de maneira coadjuvante.
A falta dessa representação fez com que gerações inteiras tivessem a ideia concebida de que as mulheres tem que ocupar um papel secundário, ao lado dos heróis. Com a chegada de novas heroínas e a reformulação do lugar delas nos filmes, séries e HQ´s faz com que meninas possam se inspirar e perceber que heroínas podem salvar a si mesmas e usar a própria inteligência para resolver problemas, empoderando-se. Com a diversidade chegando nas telonas, pessoas negras puderam ver heróis de sua cor, contando sobre ancestralidade, mas olhando para o futuro.
O mundo está mudando, e o universo dos heróis se adequa a essas mudanças, embora que de maneira lenta é um ponto positivo. É um passo em direção a aceitação das diferenças, no primeiro momento o movimento parece partir do ambiente para as telonas, e a partir do instante em que os produtores percebem e captam a ideia pode ser visto ao contrário, as novas produções passam a também influenciar o ambiente divulgando-as de forma massiva.
Referências:
OLIVEIRA, Marianna Costa. Mulher Maravilha: Corpo e figurino nas representações visuais da personagem na série de televisão e no filme. Dissetação (Mestrado em Comunicação e Linguagens) - Universidade do Tuiutí do Paraná. Curitiba, 2018.
FREITAS, Clara Maria Silveira Monteiro de; LIMA, Ricardo Bezerra Torres; COSTA, António Silva & LUCENA FILHO, Ademar. O padrão de beleza corporal sobre o corpo feminino mediante o IMC . Revista brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v.24, n.3, p.389-404, jul./set. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbefe/a/rMpVx4jWKSSJmm9zsGT6fjh/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 28 dez. 2021.
SCHIMITZ, Daniela. O processo de midiatização e o sonho de ser modelo. dObra[s]: revista da Associação Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, ISSN 1982-0313, ISSN-e 2358-0003, Vol. 7, Nº. 15, 2014, págs. 24-30. Disponível em: https://dobras.emnuvens.com.br/dobras/article/view/70/70. Acesso em: 28 dez. 2021.
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